Criança diz cada coisa…Pedro Bloch sabia das coisas. Pediatra, prestava atenção às
histórias contadas pelas crianças. Depois, anotava tudo e publicava
na revista Pais e filhos. Roberto Freire, colaborador da coluna,
encaminhou uma para os leitores. Ei-la:
Uma menina estava conversando com a professora. A
mestra disse que era fisicamente impossível uma baleia engolir um
ser humano porque, apesar de ser um mamífero enorme, tinha a
garganta muito pequena. A garota bateu pé: afirmou e reafirmou que
Jonas tinha sido engolido por uma baleia. Irritada, a professora
repetiu que uma baleia não poderia engolir nenhum ser humano. Era
fisicamente impossível. Seguiu-se este bate-papo:
— Quando eu morrer e for pro céu, vou perguntar a Jonas.
— E se Jonas tiver ido pro inferno?
— Aí a senhora pergunta.
Por falar em ir…
Viu? Criança sabe mesmo das coisas. A garota
acertou em cheio a regência do verbo ir. A gente pode ir a ou ir
para. Vai a quem vai e volta, rapidinho: Vou ao clube. Vamos ao
cinema. Fomos ao Rio conhecer os cartões-postais do Brasil. Vocês
foram ao parque no domingo? Ou preferiram ir à missa?
Ir para joga em outro time. Trata-se de ir para
ficar bom tempo: Vou para Londres fazer minha pós-graduação. Vou-me
embora pra Pasárgada. A menina da história de Pedro Bloch tinha duas
certezas. Uma: ao morrer, ela iria pro céu. A outra: a professora
iria pro inferno.
Peladões
A moda pegou. Sem mais nem menos, peladões ocupam
as ruas de grandes cidades. A história começou em Porto Alegre.
Homens e mulheres apostaram corrida nuzinhos. Depois, foi a vez de
São Paulo. Um macho, sem uma peça de roupa sobre o corpo, percorreu
a Avenida Paulista falando ao telefone. O que eles querem? Ninguém
sabe. Enquanto se investiga a razão oculta atrás da nudez, vale uma
diquinha de português. Nu, como cru, é nuzinho mesmo. Monossílaba
terminada em u, não aceita acento nem a pedido de Adão e Eva.
Nu e urubu
Nu rima com caju, urubu e Aracaju. Uma e outras não
aceitam acento. É que os monossílabos tônicos jogam no time das
oxítonas. Os terminados em i e u agradecem, mas dispensam o agudão.
Xô!
Dedo-duro
A palavra mais em alta em tempos de lavagem de
roupa suja? É ela mesma. Delação, que rima com corrupção, que
significa podridão. Quando nasceu, a latina delatione queria dizer
ato de entregar. Como quem fica parado é poste, a palavra ganhou
outra acepção. É denúncia. Em português que todo mundo entende:
deduragem, que vem de dedurar, que nasceu de dedo-duro.
Pequenas
consultas
No período “Quem estuda não vota em aventureiro”,
penso que não há vírgula depois da palavra estuda. Quem estuda é uma
oração que funciona como sujeito da 2ª oração não vota em
aventureiro. As pessoas colocam a vírgula. Estão erradas, não?”
E como! Separar o sujeito do predicado tem nome.
É frasecídio. Em bom português: mata-se o enunciado. É crime.
Meu idioma é o francês. Graças a ele, adquiri boa base no português.
Mas tenho muitas dúvidas. Uma delas: a grafia de georreferenciamento.
Por que não se escreve geoGGrafia, geoLLogia?
Em português, só se dobram duas consoantes: r e s (caro, carro;
caso, casso). Simples assim.
Recado
“Construo silêncios.”
Manoel de Barros
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